Pronto-socorro: ambiente dinâmico, muitas vezes caótico. Decisões precisam ser rápidas — e certeiras. O eletrocardiograma (ECG) é uma ferramenta essencial nesse cenário, mas sua interpretação pode parecer desafiadora, especialmente sob pressão. Este guia foi desenvolvido para ajudá-lo a identificar rapidamente os padrões mais críticos e potencialmente fatais no ECG.
Vamos abordar desde sutilezas de um infarto até arritmias com risco de vida. Ao final, você terá mais segurança para interpretar ECGs no ambiente de emergência com agilidade e precisão.
1. Fundamentos da Interpretação de ECG
Compreendendo os Princípios Básicos
Antes de avançar para os padrões críticos, é fundamental reforçar a base. Revisaremos de forma objetiva os principais elementos do ECG.
Anatomia do ECG: Ondas, Intervalos e Segmentos
- Onda P: despolarização atrial.
- Complexo QRS: despolarização ventricular.
- Onda T: repolarização ventricular.
- Segmento ST: intervalo entre despolarização e repolarização ventricular.
- Intervalo PR: do início da onda P ao início do QRS.
Derivações e sua Importância Clínica
Cada derivação é uma janela para uma região específica do coração:
- V1-V2: septo
- V3-V4: parede anterior
- V5-V6, I, aVL: parede lateral
- II, III, aVF: parede inferior
Entender essas localizações é essencial para correlacionar padrões eletrocardiográficos com a anatomia cardíaca.
2. Infarto Agudo do Miocárdio (IAM): O que Você Precisa Identificar Imediatamente
STEMI: Tempo é Músculo
- O IAM com supradesnivelamento do segmento ST (STEMI) indica oclusão coronariana total.
- Identifique elevação do ST em derivações correspondentes.
- Conduta imediata: reperfusão. Trombólise (medicamentosa) ou angioplastia primária (PCI), conforme protocolo e disponibilidade.
- A rapidez na identificação e intervenção pode salvar o miocárdio — e o paciente.
NSTEMI e Angina Instável: Sinais Menos Óbvios, Mesma Urgência
- Sem elevação do ST, mas com depressão do segmento ST, inversão de onda T ou outros achados sutis.
- Avaliação de risco (ex: TIMI Score) e exames complementares são fundamentais.
Padrões de Alto Risco: Sinal de Wellens, Ondas T de De Winter
- Sinal de Wellens: inversões profundas de T em V2-V3, sugerindo estenose crítica da DA.
- Ondas T de De Winter: ondas T altas e simétricas com depressão do ST em V1-V4 — um STEMI equivalente.
- Ambos requerem ação imediata e avaliação cardiológica urgente.
3. Taquiarritmias: Reconhecimento Rápido e Conduta Imediata
Taquicardia Supraventricular (TSV)
- QRS estreito e frequência elevada.
- Primeira tentativa: manobras vagais.
- Se ineficazes: adenosina, sempre com monitorização.
Fibrilação Atrial (FA) e Flutter Atrial
- FA: ritmo irregular, ausência de onda P.
- Flutter: ondas “dente de serra” (principalmente em DII).
- Avalie estabilidade clínica e opte por controle de frequência (ex: betabloqueadores) ou controle de ritmo, conforme o caso.
- Evite uso indiscriminado de amiodarona devido aos efeitos colaterais.
Taquicardia Ventricular (TV)
- QRS largo e frequência elevada.
- Se o paciente está instável (hipotensão, rebaixamento de consciência): cardioversão elétrica imediata.
- Em pacientes estáveis, avaliar protocolo de antiarrítmicos.
4. Bradiarritmias e Bloqueios de Condução: Identifique os Padrões Críticos
Bradicardia Sinusal e Bloqueios AV
- Bradicardia sinusal: pode ser fisiológica ou patológica.
- Bloqueio AV de 1º grau: PR prolongado.
- Mobitz I (Wenckebach): PR progressivamente maior até queda do QRS.
- Mobitz II: quedas abruptas de QRS com PR fixo — risco maior.
- Bloqueio AV de 3º grau (completo): dissociação AV — indicação de marcapasso temporário se sintomático.
Bloqueios de Ramo: Identifique o Novo ou Antigo
- BRD (RBBB): QRS largo com morfologia “RSR’” (orelhas de coelho) em V1.
- BRE (LBBB): QRS largo, ausência de onda R em V1.
- BRE novo com dor torácica deve ser tratado como equivalente a IAM.
5. Situações Especiais e Diagnósticos Diferenciais
Pericardite Aguda
- Elevação difusa do segmento ST.
- Depressão do segmento PR.
- Dor torácica que melhora ao sentar-se.
Hipotermia
- Onda de Osborn (onda J): entalhe após o QRS.
- Bradicardia frequente.
Síndrome de Brugada
- Padrão de BRD com elevação do ST em V1-V3.
- Risco elevado de morte súbita.
- Encaminhamento para cardiologia é essencial.
Conclusão: ECG Salva Vidas — Desde que Bem Interpretado
Interpretar ECGs com precisão no contexto de emergência é uma habilidade que se desenvolve com estudo, repetição e prática clínica.
- Tenha um sistema de leitura estruturado.
- Foque nos padrões críticos.
- Diante de dúvida, consulte o especialista certo, na hora certa.
A leitura ágil e assertiva de um ECG pode ser a diferença entre vida e morte. Continue evoluindo, estudando e ganhando confiança — seus pacientes agradecem.